quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Estado da arte.

Uma das nossas queridas "Créssidas" tentou resumir em palavras essa mudança de fases que estamos passando. Em cada palavra do texto dela, nós percebemos o quão longe já caminhamos e o quão longe ainda estamos... Percebemos também os sentimentos que estavam envolvidos em cada etapa do nosso processo. Sentimentos esses, que muitos de nós, compartilhamos.

      Uma guerra que já dura sete anos, quais são suas perspectivas? Quem são esses guerreiros e quais as diferenças entre gregos e troianos? Na primeira semana, quando nos foi pedido que pensássemos uma cor, um som, uma imagem para Shakespeare, tudo que eu tinha era um vazio enorme. Vazio que me permitia agregar tantas coisas, mas que me angustiava profundamente por não saber o que exatamente me vinha à mente quando falávamos de Shakespeare. 
      Disso seguiu-se um trabalho com arquétipos que poderiam se repetir nas 38 histórias distribuídas entre nós. Descobrimos um som individual, que se comporia em coletivo, formando uma unidade harmônica totalmente plural. O primeiro experimento foi pra mim um completo mistério. Estavam ali muitos elementos, se não todos, de vivências que experimentamos durante os incipientes meses de trabalho. Eu via uma imensidão de pessoas, um caos, desordem, muito barulho, mas por instantes, aquilo tudo tornava-se uma ciranda, que se entrelaçava, se reconhecia, se olhava, girava e pisava com força os pés no chão, enquanto se movia. O caos foi ao chão também e eu via fragmentos do universo de Shakespeare brotarem dali, do chão, do caos. Enquanto era observadora e participante, ouvi histórias de reis, ouvi dramas, tragédias, traições, Uma MORTE, nobres, comadres, inveja, honra... 
      Capitão, para onde vamos? Tantos perguntavam o mesmo; todos ansiosos por uma resposta que estava, em verdade, se iniciando ali, no mesmo instante em que nos perguntávamos para onde estávamos indo.
E continuamos. Aprendemos a olhar nos olhos com a Capoeira e eu percebi, que, ainda por segundos, meu corpo poderia se equilibrar em minhas mãos, meu ombro e minha cabeça; entendi que o movimento tem que preceder o racional, partindo de outro lugar; que num campo de batalha, se você não olha os olhos do inimigo, ele te golpeia e você nem tem como se defender... E dentre tantos nomes, o registro ainda nascente que percebo é uma ginga e uma presença que não podem falhar. 
    

     Agora está definido, estamos em guerra. Esta guerra já dura sete anos. Os deuses são citados, evocados, convocados... Dançamos e lutamos com Ogum, seu ferro e sua faca, nos banhamos e fomos seduzidos por Oxum; enfrentamos o fogo e as tempestades com Xangô e fomos ousados e arrebatadores com os ventos de Iansã. 
      O toque de Ogum ressoa em mim, pelos ouvidos, pela boca, pelos pés, por toda parte. Tróia é a cena e das ilhas gregas... Tróia começa a me habitar: que cor tem esse chão? Como esses homens lutam? O que as mulheres fazem enquanto eles se vão. Onde estão as mulheres desses homens? Quantos nobres cabem em uma guerra. Por que se faz uma guerra? Quem é Helena, causa da guerra? 
Entre Ogum e Oxum, vejo hoje dois lados desta guerra: seu peso masculino, viril, seu planejamento estratégico e perspicaz; sua brutalidade, seu egoísmo, sua força física. Uma disputa pelo poder que é disparada por uma disputa sexual. Enquanto as armas de uns são sua impavidez, sua vaidade, sua coragem (a mesma que transmuta-se em covardia, ao executar a morte de um homem desarmado); as de outros são o respeito ao tempo de guerra, a sabedoria que habita outros espaços que não músculos e as armas; a astúcia capaz de dobrar a força física e mudar os rumos de uma batalha.
     No outro lado, está a sedução feminina em sacrifício pela sobrevivência, pelo amor, pela vida. Encontro aí Oxum em suas águas, sua beleza, seu sexo, seu corpo de mulher. A sedução encantadora que tira do eixo esses homens de guerra, um coração que sucumbe ao olhar, este que faz cair por terra a virilidade masculina, e que, em contrapartida, desperta a disputa fálica entre os machos. O feminino que, leve e delicado se denuncia no desejo pelo outro e que, forte e corajoso, mune-se de armas outras para sobreviver ou manipular a guerra. Os olhos maliciosos de Oxum, seduzindo os gregos, após se entregar a um troiano, defendendo ali sua carne, enquanto a concede em oferenda ao outro.

Fernanda Veiga Motta


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